domingo, 17 de julho de 2011

Botão de campainha

Interpretação do poema "Botão de campainha", do livro "o cheiro da sombra das flores" de João Negreiros, pelo actor do Teatro Universitário do Minho Agostinho Silva.


Não há flores na campa do Narciso
não há flores na campa da Margarida                       porque morreu a florista
não há quem os regue com o sal das lágrimas
não há quem os lave com a água dos olhos
não há quem afaste os cardos com esse ancinho ancião que coçava as costas dos finados

a Rosinha morreu
a Rosinha morreu e a irmã mais velha chora de secura a sua lápide
o seu jazigo de suores frios

e todas as flores estão secas               mortas             salgadas
e nada podem fazer pelos mortos que estão moribundos

a florista morreu e o cemitério está vivo

os mortos levantaram-se para consolar as flores
   
Poema do livro "o cheiro da sombra das flores" à venda em livrarias 

segunda-feira, 11 de julho de 2011

épico como o teu rosto

épico como o teu rosto

quero o gozo de quem chora por amor
quero já como quem recebe um favor
rasga-me a camisa para não falar para os botões
e não ouças que eu não sou de opiniões

encurta-me a espera
entra-me no corpo já
lambe-me como quem se esmera
vou fingir que até estou cá

é que às vezes vou p’ra longe
p’ra uma terra que tu não sabes
fico lá a fazer de monge
e és tão linda que não cabes

adio-nos o encontro
dedilho-te um adeus
esses beijos todos meus
vais fazê-los com outro

rasgas-me o sangue
de um rubro negro que vai ter fim
e hei-de ficar exangue
quando morrer juntas-te a mim

iremos juntos à morte
a bordo de um cavalo cego
ver se nos querem na corte
estou vivo mas às vezes nego

Poema do livro "a verdade dói e pode estar errada", de João Negreiros, à venda em livrarias e em www.saidadeemergencia.com

quarta-feira, 6 de julho de 2011

o interruptor


Interpretação do poema "o interruptor", do livro "a verdade dói e pode estar errada" de João Negreiros, pela actriz do Teatro Universitário do Minho Ana Catarina Miranda.


o interruptor

hoje    quando estava a sair de casa    olhei para o relógio e percebi que devias estar p’ra chegar

e então deixei a luz da cozinha acesa         porque é a que gasta menos    para que não encontrasses a casa às escuras na chegada

mas depois pensei melhor

ao chegares          vendo a luz acesa          podias pensar que eu estava em casa a fazer-te uma sandes de atum ou um cachorro          e ias ficar desiludida   

porque eu estou a sair

e quando chegares já me fui

e vais sentir a mostarda ou a maionese no canto da boca          mas vai ser mentira

por isso    para não te desiludir    saio deixando atrás de mim a casa escura         

para não te magoar



Poema do livro "a verdade dói e pode estar errada", de João Negreiros, à venda em livrarias e em www.saidadeemergencia.com