sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Grandes poemas para viagens pequenas

Nos Transportes Urbanos de Braga, este mês, pode-se ler:


Não vale a idade

embala-me como se não me quisesses tirar da prateleira
deste-me um prazo          sem validade para não ter que esperar
e quando me acharam feio          foste tu quem foi provar
que estava enganado          por me achar podre por dentro

sabia que a fruta que te adoça a boca não podia ser ruim
que as ameixas que te sujam a roupa não podiam ser assim
se elas fossem mesmo más não estariam junto a mim
quando o meu lindo és tu
e se caio?
e se seco?
e se quebro antes do fim?

esta espera que é para já
mata-me por ser agora
esta vida de tão curta
sabe sempre a uma demora



in "o cheiro da sombra das flores", de João Negreiros


segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Jornal de Notícias - Escritor de prémios seguidos


O director artístico do Teatro Universitário do Minho, de 32 anos, foi laureado com cinco prémios no Brasil e em Portugal em apenas seis meses. A sua poesia chega este mês a dez palcos lusos
O matosinhense João Negreiros, de 32 anos, faz teatro e poesia desde a adolescência. Aos 16 anos, escreveu o primeiro livro, "Horas Extraordinárias" e, em breve, sai a sétima obra, com os monólogos "Bendita a Bruxa Má" e "O Dia Primeiro". Formou-se no Porto e em Lisboa, correu vários grupos, fundou a companhia itinerante …re…petição dando cem actuações por ano e interpretou 30 personagens numa só peça.
Criou ainda os projectos Literatura nas Escolas e Sentido de Amor, um teatro diário para vinte rádios nacionais. Nas entrelinhas continua a dar formação e é há alguns anos encenador e argumentista do Teatro Universitário do Minho (TUM). Este ano ainda teve fôlego para receber cinco galardões literários, dois deles no Brasil - o Prémio Internacional OFF FLIP em poesia, o Prémio Professora Therezinha Dutra Megale, o Prémio Irene Lisboa (3º lugar), o Prémio Nuno Júdice (Câmara de Aveiro) e ainda num escalão do Concurso Literário do Lions Club. "Calhou bem surgirem juntos", sorri.
Sim, ainda há mais. O seu livro "O Cheiro da Sombra das Flores" está entre as melhores obras de poesia ibérica de 2007 e 2008 e entrou na corrida ao Correntes d'Escritas'09. Por outro lado, após ter integrado a Antologia de Poesia da ASES, João Negreiros volta em breve a ser publicado no Brasil, pela OFF FLIP, que lhe atribuiu até uma rara bolsa de criação literária.
Os seus poemas também podem ser lidos diariamente nas janelas dos autocarros dos Transportes Urbanos de Braga, numa parceria com o Centro de Pesquisa e Interacção Cultural.
Falta ainda dizer que os seus versos, desde o neo-surrealismo à lírica conceptual e sonora, vão ter direito este mês à digressão nacional "Inspirar é Respirar". O percurso antológico de Negreiros será trazido pelas dizedoras Ana Catarina Miranda, Andreia Dantas, Catarina Rocha, Dina Costa e Eduarda Freitas, todas do TUM. "Haver cinco mulheres é marcante, os poemas entranham, é o sexo pelo melhor motivo", define o autor de "Os Vendilhões do Templo".
A Fundação Calouste Gulbenkian, IPJ, Universidade do Minho e Papiro Editora apoiam a iniciativa, que passa por Vila Real (dia 19), Porto (16 e 22), Braga (88 e 10), Coimbra (12), Lisboa (20) e Guimarães (21).

Nuno Passos - JN 07/09/09

Prémio Nuno Júdice atribuído a João Negreiros

O Município de Aveiro, em parceria com a Universidade de Aveiro e o Grupo Poético de Aveiro, atribuiu a João Negreiros o Prémio de Poesia Nuno Júdice 2009, pelo trabalho intitulado “arranha os céus e chove”. O júri, constituído por personalidades de reconhecido mérito literário, foi unânime em considerar a obra de João Negreiros merecedora do prestigiado galardão, tendo decidido também apoiar a sua edição.

A cerimónia de entrega e anúncio do vencedor do prémio aconteceu no passado sábado, pelas 15 horas no Auditório da Assembleia Municipal. O evento contou com a presença do Dr. Miguel Capão Filipe (Vereador do Pelouro dos Assuntos Culturais do Mu­nicípio de Aveiro), da Mestre Rosa Maria Oliveira, do Prof. Luís Serrano e do Prof. Doutor António Manuel Ferreira (Universidade de Aveiro), que fez a apresentação da obra vencedora.

O Prof. Doutor António Manuel Ferreira considerou quepara situarmos estes textos na sua genealogia ético-estética temos de recuar no séc. XX e de revisitar alguns textos essenciais de Fernando Pessoa, nomeadamente, as desalentadas confissões de Álvaro de Campos” e continuou dizendo que os poemas de João Negreiros “integram-se em pleno direito num dos trilhos mais vitais da Poesia Portuguesa.” O Professor da Universidade de Aveiro chegou mesmo a ler alguns excertos da obra vencedora, que adjectivou como magníficos.

“Parece tudo muito simples, sem qualidades, digamos assim, para usarmos uma expressão que já faz parte do nosso aparato crítico contemporâneo, mas não é.” O Professor finalizou afirmando que “um homem que manifesta uma relação tão sincera com a Língua Portuguesa só pode ser um verdadeiro poeta. E dizer isto é, para mim, dizer tudo”.


o Outono visto pela janela

na casa onde nasci havia sons e cheiros meus

as pessoas que os tinham emprestavam-mos à memória

e eu incluía-os como amigos íntimos

nesta não tem gente

ou se tem não têm cheiro

nem som porque eu não me lembro

gastei toda a memória nas pessoas antigas

e o espaço para as novas é um t1 que fica muito para além do t

onde eu estou sem visitas

fechado à medida de não deixar entrar

preciso do que já foi como do próximo ar para me lembrar que foi bom

eu já fui bom

agora não sei

mas já fui

juro que fui

e quero gastar as únicas energias a fazer manutenção às memórias

p’ra que nenhuma se perca

era pena

é que até a gente que me fez por dentro como a um cofre já não existe

e quero mantê-los ligados à máquina para sempre

e a máquina sou eu

e para sempre sou eu

anda

aconchega-te no mofo do t1

finge que és de antigamente para te dar os beijinhos de quando era pequenino

cheiras à minha avó

à roupa no estendal

à canção do fim dos bonecos

ao banho que está a ficar frio

ao grito do granizo do dia mais longo em que a casa esteve para cair

tu cheiras e sabes ao dia em que a casa esteve para cair

que foi no mesmo dia em que resistiu

como se estivesse ali desde o início dos tempos

e os tivesse começado para eu os acabar

acabar

acabar

acaba comigo que me falha a lembrança

e restas-me como a folha que esteve para cair

e que só não caiu porque o mundo acabou antes do Outono

in “arranha os céus e chove”, de João Negreiros