domingo, 21 de fevereiro de 2016

Novo vídeo com imagens ao vivo - "Falta mim"


Espectáculo de lançamento do livro "O Manual da Felicidade" - Maio de 2015, V. N. de Famalicão.

"falta mim" in "Livro de Canções do Manual da Felicidade" de João Negreiros

Letra e voz - João Negreiros
Guitarra - Edgar Ferreira
Violoncelo - Beatriz Ferreira
Piano - Pedro Lima
Composição - Edgar Ferreira
Edição imagem - Ana Catarina Miranda
Co-produção - Bolor Teatro e Teatro Universitário do Minho
Apoios: Intituto Português da Juventude; Universidade do Minho; Centro de Pesquisa e Interacção Cultural

"Falta mim"

se fores a árvore e deres a folha
quero-te mais à resma
amo-te mais perto que longe
quero-te longe à mesma

espera que isto soou mal
como este mar afogado em sal
espera que não era bem assim
fazes-me tanta falta como a mim


in "Livro de Canções do Manual da Felicidade" de João Negreiros
http://joaonegreiros.blogspot.com
www.omanualdafelicidade.com

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016


"Perfeito como as possibilidades"


Estas são as palavras que direi a mim própria quando precisar das palavras certas, repeti-las-ei nos dias bons para que as saiba de cor nos dias maus:
Levanta-te que a cama deixou de ser fofa no momento em que acordaste. Levanta-te com a vontade de quem quer fazer coisas até estar mais perto do que quer ser.
Levanta-te e procura uma coisa boa e sã para comer.
Depois lava-te até te sentires tão pura como sempre foste e serás.
Em seguida veste o mais perfeito que o dia deixar e pensa que este dia vai ser bom porque é hoje.
Este dia é bom porque é hoje.
E podes não ter vontade de viver e podes não ter vontade de sorrir, mas em vez disso tens de reserva as coisas boas que já fizeste e as coisas incríveis que estão por finalizar.
O antídoto para o peso de hoje é a força que sentias ontem.
Se alguma vez sentiste vontade isso é o precedente que te faz perceber que a vontade é criada por ti.
Se tudo isto te parecer falso tens razão.
Finge, finge, finge muito, finge bem, faz uma cena, uma grande cena, faz de conta que queres alimentar-te e vestir-te e lavar-te.
Faz de conta que queres sair de casa e trabalhar muito e com muita alegria.
Faz de conta que há sol e que chilreiam passarinhos rechonchudos enquanto atravessas a passadeira com o sinal a fechar.
Faz de conta que corre bem e que o mal é imaginário como as bruxas sem verrugas.
Abre hoje o precedente e se amanhã quiseres abre outro também.
Ama-te até andares mais rápido.
Adora-te até que pular seja altamente.
Admira-te como se te visses de cima quando voas e percebe que o que finges existe tanto como o que existe mesmo.
A diferença é o que tu queres e para os outros é indiferente.
Ninguém quer saber se sempre foste feliz ou se só começaste agora. O que interessa é que tenhas hoje forças para trabalhar por um mundo melhor.
E quando digo “por um mundo melhor” não digo o mundo todo.
Quando digo “por um mundo melhor” refiro-me à tua casa, ao teu emprego, ao teu dia, à tua noite, à tua saúde, às tuas pessoas, às tuas tardes, à tua comida, aos teus ideais, à tua roupa, à tua louça, aos teus fins de tarde, às tuas madrugadas, aos teus jantares, às tuas noites cerradas, à tua chuva miudinha.
Quando digo “por um mundo melhor”… Quando digo “por um mundo melhor” refiro-me ao teu mundo.
Isso mesmo, percebeste agora?
Quando digo “por um mundo melhor” refiro-me ao teu mundo.
Sê realista, começa pelo teu mundo.
Amanhã será um dia melhor e poderás salvar mundos melhores.
Hoje é só um dia bom, terás que te contentar com este mundo que, depois do que te disse, se tornou perfeito como as possibilidades.
Atingir o que podemos é a perfeição.
Fazer o que a força pode é a única tarefa.
Trabalhares todos os dias de hoje é a tua maneira de pagares pelo ar que tens andado a gastar.
Faz o esforço que a tua paixão quiser e esforça-te por te apaixonares todos os dias.

João Negreiros in "O Manual da Felicidade"

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

"O que sempre devia ter sido"


"O que sempre devia ter sido"


Não tenho o direito de sentir saudades de quem não procuro.
Se fizer um esforço consigo esquecer-me de tudo o que me faz falta.
Se fizer um esforço grande mesmo posso conseguir até afastar ou afastar-me de tudo o que quero perto.
Se estiver muito inspirada e fizer tudo na perfeição consigo estar sozinha e mal acompanhada e resistir… e viver na penumbra… e no silêncio… e na solidão… e no barulho… e no meio de estranhos… e entregue a mim sem me conhecer.
Se fizer um esforço desmesurado, se me transcender, se me rasgar toda por dentro conseguirei viver contra tudo e contra todos até que este sofrimento seja uma espécie de concretização de uma merda qualquer que não sei bem.
Não preciso de ninguém e, se me afastar o suficiente, existirá um dia em que ninguém precisará de mim.
Se fizer um esforço, se me superar, se for para além do limite, se me rebentar por dentro, se implodir os órgãos internos, se morrer todos os dias, se lutar muito até que o cansaço seja um hábito.
Se me esforçar posso ser uma eremita sem gruta, uma vendedora de enciclopédias analfabeta num condomínio fechado que está ainda por construir e que só recebe publicidade em caixas de correio sem dono e sem direcção.
Cansada do cansaço, cansada do esforço, cansada do orgulho entrego-me à fraqueza da coragem e deixo-me cair de bruços na indómita vontade de compreender todos os que amo e todos os que quero.
Saudades são de quem não posso procurar. A partir de hoje vou dizer tudo a todos os que acho que merecem. A partir de hoje vou fazê-los ouvir o que estava destinada a dizer-lhes no meu leito de morte.
E todas as palavras serão importantes como as últimas. E todas as pessoas que interessam estarão o mais perto de mim que conseguir. E se estiverem zangadas porque no passado lhes dei o esforço do silêncio e da lonjura continuarei a dizer-lhes o que devia ter dito até que me saia sem esforço. Até que me saia suave como tudo o que já foi feito muitas vezes e que sempre foi bom para todos.
Amo o que amo e procuro-o agora.
Abraço o que toco e dou razão aos braços. Entrego-me ao que não foi feito para estar longe e percebo que a distância será sempre escolhida por mim.
E para ti escolho a presença. Para ti escolho junto. Para ti escolho-te a mim e junto-me ao que sempre foi porque sempre deveria ter sido.

Texto do livro "O Manual da Felicidade" de João Negreiros