Co-produção: Teatro Universitário do Minho e Bolor Teatro
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014
"O Espelho" d' "O Manual da Felicidade"
Co-produção: Teatro Universitário do Minho e Bolor Teatro
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014
"É o que tem de bom" - O Manual da Felicidade
ser amigo não é ser educado
ser educado não é ser bom
mas ser bom é ser amigo
ser cordial não é ser atencioso
ser amigo não é ser cordial
mas ser amigo é ser atencioso
sorrir sem vontade pode ser educação ou não
sorrir sem vontade pode ser cordialidade ou não
sorrir sem vontade
não pode ser amigo
conhecer uma pessoa nova é convidá-la a entrar ou não
a um amigo convida-se a entrar se se quiser que ele entre
convidar um amigo a ficar lá fora é perder a oportunidade de
fazer o amigo
ser formal não é falta de educação
ser formal não é falta de cordialidade
ser formal com um amigo só é falta de inteligência
ser formal com um amigo que ainda não se conhece é perder a
oportunidade de existir
é perder a oportunidade de dar uso à casa
à lareira
ao tapete
aos talheres
aos ímans do frigorífico
ao quadro impressionista
à vista impressionante
ao álbum de casamento
ao livro de curso
ao Polystar de ‘82
aos vestidos que uso pouco
ao vinho bom
aos abraços
ao presunto com melão
aos animais de estimação
aos peluches
à aparelhagem que ainda tem gira-discos mas que não tem
agulha
às camisolas
às palavras meigas
às coisas todas que
já nem me lembra
à estatueta que trouxe de São Tomé
à cartola de finalista
à bengala também
e ao passe-partout em que estou com o meu afilhado
ser formal com um amigo que ainda
não o é é ser distante com uma pessoa que podia eventualmente dar razão à nossa vida e a todas as coisas que
nela existem
direi bom dia de sorriso franco de hora em diante porque sei
que isso é essencial para dar uso ao que sou
darei conversa fácil
marcarei encontros rápido
trocarei telefones mesmo que goste muito do meu
darei beijos repenicados para que o barulho inspire outros
e se calhar de ele não querer entrar sorrio até encontrar
outro
e se calhar de entrar sem respeito pela minha casa peço-lhe
que saia sem o sorriso e abro a porta com outro sorriso para o seguinte
e se calhar de entrares tu faço-te uma tosta mista ou um pão
com manteiga
faço assim
pergunto antes Queres uma
tosta mista ou um pão com manteiga?
e tu dizes
Pode ser um pão com manteiga
eu percebo pela tua voz que tu disseste pão com manteiga porque não querias dar trabalho e faço-te uma
tosta mista
é assim que fazem os amigos
é assim que se fazem amigos
come antes que fique frio que eu vou ver se ainda tenho cerveja
Texto d' "O Manual da Felicidade" de João Negreiros
"Ode ao homem bom" - O Manual da Felicidade
Eu gostava
de gostar dos homens que gostam de mim mas os filmes e as amigas que me põem
triste disseram-me que os homens a sério são os que não gostam.
Li uma vez
numa revista ou vi numa fotografia dessa revista que os homens maus eram
charmosos. Eu nessa altura não sabia o que queria dizer charmoso mas pela
fotografia acho que era um homem que usava um cigarro como uma arma e que tinha
um carro grande muito difícil de estacionar.
Eu gostava
de gostar de um homem bom que me amasse incondicionalmente. Um homem que me
desse atenção que não soubesse jogar ao amor, nem jogar ao sexo, nem jogar às
paixões, nem jogar ao “vamos ver quem ama mais e vamos ver quem ama menos e
quem ama menos ganha e quem ama mais perde”.
Eu quero um
homem, não precisa de ser bonito para as revistas, nem precisa de ser bonito
nos outdoors, nem precisa de ser bonito para as minhas amigas tristes, só
precisa de ser bonito para mim.
Eu antigamente
achava que não conseguia controlar o amor. Achava que o amor não se escolhia e
que se me calhasse um cabrão para amar teria que ser infeliz com ele porque era
um bom partido. Tive o coração partido à conta do bom partido. Agora prefiro um
homem por inteiro.
Não vai ser
a vida a escolhê-lo para mim, nem a revista a escolhê-lo para mim, nem as
amigas tristes a escolheram-no para mim. O meu homem vou ser eu a escolhê-lo,
não vai ser amor à primeira vista, vai ser amor à primeira festa.
Vou escolher
o que souber sorrir, vou escolher o que me fizer rir, vou escolher o que me
fizer crescer, vou escolher o que me escolher ao mesmo tempo, vou escolher o
que for perfeito, não por ser perfeito, mas por me dar aquilo de que preciso.
Pela
primeira vez quero exactamente aquilo de que preciso. Preciso de um
companheiro, não preciso de um amante. Preciso de um porto, não preciso da
tempestade. Preciso de companhia, não preciso de ver filmes ruins sem ter quem goze
com eles.
Pode
conduzir um Fiat Punto, um Renault Clio, ou um Fiat Panda que comprou por 780
euros a uma tia solteira.
Eu quero um
homem bom. Os homens bons têm charme. Ainda não sei o que o charme é mas o meu
homem bom vai tê-lo.
Amo-te, meu
amor. Não sei quem és mas vejo-te com nitidez. Conheço-te como a mim e amo-te
para sempre com a certeza de quem percebeu finalmente que o amor só pode ser
uma coisa boa.
Texto d' "O Manual da Felicidade" de João Negreiros
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