sexta-feira, 30 de julho de 2010

inspiração é respirar

Poema feito à Imagem - "Inspiração é Respirar" from Abraham Tark on Vimeo.

inspiração é respirar


assustas-me como a natureza quando desmaia pelo acasalamento de um bicho


tomas-me de assalto tão alto que só sei que és tu pela cor do ventre quando choras


sei-te como a enciclopédia afogada em anexos pelos planetas que apareceram só para a contrariar


dás cabo de mim porque me pões fim


dás-me o ânimo dos juncos que abanam só pelo vento


dás-me as amoras dos trigais que são raras de tão impossíveis


fazes-me viver como a palidez para o doente terminal


prendes-me pelo cachaço como só a boca consegue


aproxima o teu corpo ao meu e vamos fazer filhos dos outros para que todos procriem com amor


emprestemos a nossa seiva às árvores que morrem da poda


e façamos de todos os seres o resultado inequívoco de um olhar nosso que se troca por miúdos


és a ninfa sem verde

o fantasma sem escuro

a corneta subtil

o galgo que embala o ar

o coxo da perna boa


e eu fiz-me para te completar


apareci para te reafirmar coerência

para te investir valor

para te secundar

para te lamber o chão com a saliva que estava guardada para os beijos para além dos nossos


tu só és para mim exactamente o que sou para ti

e olha que é muito

e olha que chega para encher tanques de rãs com carícias


és a personificação das manhãs claras e dos membros sãos


és a esposa que anseia

o rasgão sem dor

o sangue sem ciúme

a cor dos olhos

a ternura da pele

o carinho das canções


e eu serei o romance que mandou a tua cabeceira abater uma lareira


abraça-me muito que tenho medo sem ti

que choro muito sem ti


e sou-te porque não me conhecia até


e sigo-te como o carneiro segue a camisola


e vou estar na tua boca colado

a evitar os soluços e as palavras

para poder viver o resto dos dias na intermitência da tua respiração


amo-te por dentro

inspira-te em mim


amo-te por fora

expiro sem ti


amo-te por dentro

inspira-te em mim


amo-te por fora

expiro sem ti


e o ar que me move move todos

e o ar que me move move todos

in "a verdade dói e pode estar errada", de João Negreiros,

Ed. Camões e Companhia