domingo, 22 de março de 2015

vestido de folhos


vestido de folhos

se não tens pão não comas o gato
se te falta chão não fiques um chato

porque o mal existe não fiques um triste
inventar não é crime          sonha com o pulso firme

e se a Páscoa não traz ovos
e se a mágoa te faz cornos

se o Natal não trouxe comboios
faz do mal um vestido de folhos

"vestido de folhos" in "livro de canções" de João Negreiros

Letra e voz - João Negreiros
Guitarra - Edgar Ferreira
Composição - Benjamim Vaz
Edição - Alexandra Brito

Co-produção: Bolor Teatro e Teatro Universitário do Minho
Apoios: Intituto Português da Juventude; Universidade do Minho; Centro de Pesquisa e Interacção Cultural

a invenção da água

o rio a saber a sabão tem o teu nome e soletra-o quando os peixes morrem
as árvores dão pernas às raízes para darem frutos ao pé de ti
as larvas fizeram um intervalo na fruta podre e rastejaram até à tua beira
e tu caíste por mim dentro           aproximando-me dos bichos e das folhas que agora
[estão como se eu fora
a minha natureza foi feita com o que tinhas a mais
o que te escorreu pelo nariz
pelos ouvidos
pelos poros
fez um mar até mim
e eu nasci afogado porque o teu amor inventou a água
a água és tu
quem se molha tem-te
tenho saudades de mim pequenino
quando estava no que tinhas dentro a perguntar ao mundo que estava para existir se era 
[tão lindo lá fora como era lá dentro
és a mulher
fazes-me
inventaste a água
todos os imundos se lavam por ti
guardas toda a sujidade
entende-la
compreende-la
engoliste as arestas de todos os podres e devolve-los imaculados como se a água que tu
[és nos mostrasse as cores difusas dos oceanos que chorámos por ti
inventaste a água
inventaste a água
não sei nadar
fiz amizade com um peso atado aos pés e navego por ti até ao fundo
inundas-me
acolhes-me
e não respiro
mas sorrio sem saudades do ar que para mim foi mau

poema do livro "o amor és tu" de João Negreiros


O Manual da Felicidade - espectáculo de poesia e música


quarta-feira, 18 de março de 2015

João Negreiros apresenta o seu mais recente projecto "O Manual da Felicidade", acompanhado pelos excelentes músicos Edgar Ferreira e Pedro Lima, no Teatrinho da Régua, dia 19 de Março, às 15h. Apareçam!


domingo, 15 de março de 2015

O mar que a gente faz

Era um menino que não sabia nadar e o mar feito à tona e à medida para gente que boiava sem esforço.
O menino chama-se Sargo e o mar não tem nome por ser grande e o que tem está esquecido no mapa. Sargo é nome de peixe e aí começa a história.
A família estava junta, como os irmãos quando se entendem, com o menino enrugado no meio. E esse menino ria e sorria como nunca um recém-nascido fizera. E a família ria e sorria, mas era um sorriso engelhado e um riso nervoso.
Porque ria tanto aquele bebé? Não tinha saudades do cordão? Não tinha saudades do útero mole e húmido como as alforrecas? Não, não tinha. Tinha um ar redondo e feliz e a família afeiçoava-se aos risos pequeninos. E de noite, quando os pais novos não podem dormir, ele embalava-os com sonos profundos e soninho às gargalhadas. 

Excerto do livro "O mar que a gente faz" de João Negreiros


domingo, 8 de março de 2015

felicidade por defeito


"felicidade por defeito" in "livro de canções" de João Negreiros

Letra e voz - João Negreiros
Guitarra - Edgar Ferreira
Composição - Benjamim Vaz

Co-produção: Bolor Teatro e Teatro Universitário do Minho
Apoios: Intituto Português da Juventude; Universidade do Minho; Centro de Pesquisa e Interacção Cultural


felicidade por defeito

respirar é o ritual
que não sabes fazer mal
é uma técnica que funciona até adormecida
o mentecapto decora
é p’ra dentro e para fora
como tudo na vida

no nascimento está a razão
para se andar aqui
ando a estudar essa emoção
desde o dia em que nasci

quando esqueces ofegante
quando te perdes de ti
se estrebuchas louco e errante
inspira-te que eu já sabia quando nasci

no nascimento está a razão
para se andar aqui
ando a estudar essa emoção
desde o dia em que nasci

se te disserem que o fazes mal
diz nasci a saber
se te disserem que o fazes bem
diz que foste lá atrás ver

se o que tinhas à partida
não estava estragado
manda embora quem te mandou fora
e te pôs em nenhum lado

no nascimento está a razão
para se andar aqui
ando a estudar essa emoção
desde o dia em que nasci

diz lá
gostas de respirar?
estás cansado de respirar?
tens vergonha de respirar?
não me digas que tens saudades
mesmo saudades da falta de ar
saudades da cabeça dentro d’ água
saudades da culpa e do sofrimento e da mágoa
se quiseres mesmo vou ali e trago-a

no nascimento está a razão
para se andar aqui
ando a estudar essa emoção
desde o dia em que nasci

tens saudades do que está longe?
a sério?
nesse convento és o único monge
essa clausura é p’ra mim mistério
saudades só sei ter do que está bem perto
abraçar o que está à mão é o único vício certo

no nascimento está a razão
para se andar aqui
ando a estudar essa emoção
desde o dia em que nasci

in "livro de canções" de João Negreiros

quarta-feira, 4 de março de 2015

as pessoas que quero p'ra mim


"as pessoas que quero p'ra mim" in "livro de canções" de João Negreiros

Letra e voz - João Negreiros
Guitarra - Edgar Ferreira
Composição - Benjamim Vaz

Co-produção: Bolor Teatro e Teatro Universitário do Minho
Apoios: Intituto Português da Juventude; Universidade do Minho; Centro de Pesquisa e Interacção Cultural

as pessoas que quero p’ra mim

quero primeiro quem mais eu queria
quero primeiro quem eu mais queria
quero primeiro como a mãe faz à cria

as pessoas que gostam de mim
são as pessoas que quero p’ra mim
isto é mágico como compota sem aditivos
isto é básico como elogios com adjectivos

as pessoas que gostam de mim
são as pessoas que quero p’ra mim
isto é sincero como a luz do dia
e ao meu lado só quero a gente que mais eu queria

as pessoas que gostam de mim
são as pessoas que quero p’ra mim

as pessoas que gostam de mim
são as pessoas que quero p’ra mim

não são pessoas reles
juntos trocamos peles
riem-se do que eu digo
e não do que eu penso
seguem-me por onde sigo
e o caminho nem é tão denso

essa gente que me amolece o muro
que tenho que quebrar na missão
estão comigo e eu  juro
que nunca lhes vou largar da mão

a não ser para endireitar os óculos
ou coçar o nariz
e os dedos grudam-se em ósculos
e estou com eles até à raiz

as pessoas que gostam de mim
são as pessoas que quero p’ra mim 

in "livro de canções" de João Negreiros