sexta-feira, 25 de março de 2011

Espectáculos de apresentação da 2ª edição de "luto lento"


Espectáculos de apresentação da 2ª edição do livro "luto lento" levados a cabo pelo Teatro Universitário do Minho.

Guimarães | 26 de Março | 21h | Livraria Book.it
Barcelos | 2 de Abril | 18h | Livraria Book.it
Viana do Castelo | 3 de Abril | 18h | Livraria Book.it

domingo, 20 de março de 2011

a menina da pastelaria


a menina da pastelaria

conheci uma menina que trabalhava numa pastelaria e os bolos          de tão secos          faziam-lhe o sorriso mais doce

e eu estava tão guloso dela que contraí um desarranjo intestinal p’ra ninguém desconfiar

e nunca lhe levei trocado para ela me tocar a mão junto com o frio das moedas          ou p’ra dizer quase
indignada de tão risonha          não tem mais pequeno?

ao que eu respondia que não

e ela dizia          então vou ver ao porta-moedas          porque o pai dela era o dono e ela às vezes metia do dela p’ra depois tirar do dele

e ela voltava-se

e esticava-se até ao cimo do frigorífico

e resgatava o porta-moedas dos coelhinhos

e no acto de esticar eu via-lhe as costas e a barriga melhor por causa do top que só tapava o de cima

e          quando ela estava tão esticada como a cortina que fechou p’ra ninguém conseguir ver          eu parei o tempo

é isso          agora parei o tempo e vou ficar          no mínimo dos mínimos          três séculos a ver-lhe a barriga e o fundo das costas

e a língua no canto da boca como quem esperneia por felicidade

e vou-lhe fazer juras de amor

e gritar alto o nome que lhe pende da etiqueta do uniforme

e vou-me despir completamente

e masturbar-me respeitosamente porque o tempo parou

e a terra já não gira porque gira és tu

e as plantas já não crescem

e a única flor que desabrocha és tu          que mesmo estática          tens o movimento de quem não precisa de se mexer para ser bela

de quem não precisa de falar para ser bela porque a tua beleza não está contigo mas dentro de mim

como o troco que nunca tens mas que eu imploro que me dês


e um dia vou ter que tornar à vida e fazer o mundo girar de novo          mas não me apetece nada

e um dia vou ter que deixar as pessoas seguirem com a sua vida          mas não me apetece nada

e um dia vou ter que te esquecer

vou ter que te deixar envelhecer com um monstro que te trate mal

e te chame nomes feios

e não te respeite

e não te saiba o nome          nem com a ajuda da etiqueta

e não te pague os doces porque diz sempre que estão secos

e não me apetece nada

e não me apetece nada deixar-te seguir p’ra que deixes de ser

e saio

e soube-me mal

e estico a língua quase até à bochecha para resgatar o açúcar          a farinha e a lágrima ao mesmo tempo

tudo ao mesmo tempo

 
e nunca mais vou voltar a ver-te porque nunca mais te reconhecerei

a não ser que um dia me esqueça dos trocos de novo e te dê uma nota grande que tu trocarás por miúdos que são os nossos filhos

Poema do livro "luto lento" à venda nas livrarias e em

quarta-feira, 2 de março de 2011

O único bem precioso

Dá-me um beijo como se fosse na boca, dá-me um beijo como se fosse na tua. Dá-me um beijo como eu te dou porque quero sentir na pele o incondicionalismo do meu amor, só para saber quanto custa o que não tem preço mas que, para ti, estará eternamente na prateleira das promoções com o desconto do infinito e uma menina a dar amostras, às quais te fazes cara para que te dê o valor. E o valor sei-o de cor como os lápis de cera que derreti à Santa, pedindo-lhe para interceder junto do teu olhar para que me visses com outros olhos, os gentis que não tinham graduação… por não serem oficiais e não precisarem de óculos.
Dá-me o virar da cara para te conhecer melhor a face esquerda. Dá-me o virar da cara para te conhecer melhor a face direita. E à terceira dás-me os lábios para que eu te mostre o que tenho andado a praticar às escondidas com as tuas bochechas.
Sabes, eu e algumas partes do teu corpo somos cúmplices e não sabes mas conheço-te como não imaginas porque te vês mal… com a rudeza de quem julga o belo como a um filme mau que era preciso ver em boa companhia, com o maior dos intervalos e com o enredo que só as carícias sabem engrossar.
E agora conheço-te completamente como o fruto que me escorrega no sumo até ao queixo, mas que eu resgato com cuidado para que nada se desperdice. É importante que o amor não se desperdice porque o amor, nos dias que correm, é o único bem precioso.

Poema do livro "luto lento" à venda em livrarias e em https://www.buknet.pt/?op=pesquisa&pesquisa=jo%E3o+negreiros&t=2