a menina da pastelaria
conheci uma menina que trabalhava numa pastelaria e os bolos de tão secos faziam-lhe o sorriso mais doce
e eu estava tão guloso dela que contraí um desarranjo intestinal p’ra ninguém desconfiar
e nunca lhe levei trocado para ela me tocar a mão junto com o frio das moedas ou p’ra dizer quase
indignada de tão risonha não tem mais pequeno?
ao que eu respondia que não
e ela dizia então vou ver ao porta-moedas porque o pai dela era o dono e ela às vezes metia do dela p’ra depois tirar do dele
e ela voltava-se
e esticava-se até ao cimo do frigorífico
e resgatava o porta-moedas dos coelhinhos
e no acto de esticar eu via-lhe as costas e a barriga melhor por causa do top que só tapava o de cima
e quando ela estava tão esticada como a cortina que fechou p’ra ninguém conseguir ver eu parei o tempo
é isso agora parei o tempo e vou ficar no mínimo dos mínimos três séculos a ver-lhe a barriga e o fundo das costas
e a língua no canto da boca como quem esperneia por felicidade
e vou-lhe fazer juras de amor
e gritar alto o nome que lhe pende da etiqueta do uniforme
e vou-me despir completamente
e masturbar-me respeitosamente porque o tempo parou
e a terra já não gira porque gira és tu
e as plantas já não crescem
e a única flor que desabrocha és tu que mesmo estática tens o movimento de quem não precisa de se mexer para ser bela
de quem não precisa de falar para ser bela porque a tua beleza não está contigo mas dentro de mim
como o troco que nunca tens mas que eu imploro que me dês
e um dia vou ter que tornar à vida e fazer o mundo girar de novo mas não me apetece nada
e um dia vou ter que deixar as pessoas seguirem com a sua vida mas não me apetece nada
e um dia vou ter que te esquecer
vou ter que te deixar envelhecer com um monstro que te trate mal
e te chame nomes feios
e não te respeite
e não te saiba o nome nem com a ajuda da etiqueta
e não te pague os doces porque diz sempre que estão secos
e não me apetece nada
e não me apetece nada deixar-te seguir p’ra que deixes de ser
e saio
e soube-me mal
e estico a língua quase até à bochecha para resgatar o açúcar a farinha e a lágrima ao mesmo tempo
tudo ao mesmo tempo
e nunca mais vou voltar a ver-te porque nunca mais te reconhecerei
a não ser que um dia me esqueça dos trocos de novo e te dê uma nota grande que tu trocarás por miúdos que são os nossos filhos
Poema do livro "luto lento" à venda nas livrarias e em
Gostei do poema e espero regressar para conhecer mais e melhor como se escreve a poesia em Portugal...
ResponderEliminarUm abraço,
do Poeta e Escritor
ZezinhoMota
A Poesia do Zezinho http://zezinhomota.blogspot.com
A Poesia do Zezinho II http://zezinhomota1.blogspot.com
Muito lindo! Um abraço!Taninha Carvalho
ResponderEliminarOlá, João!
ResponderEliminarSou um poeta aqui do Brasil e acabei conhecendo sua obra pesquisando coisas aleatórias na internet. Gostei de cara. E tem mais, existe um lugar aqui no Rio de Janeiro chamado Casa Poema, onde se aprende a falar poesia de forma coloquial, conversada. Fiz uma oficina lá e escolhi um dos seus poemas para falar, esse 'a menina da pastelaria'. Todos os poemas que estão expostos aqui no blog são muito bons. Me encantam! Parabéns pelo seu talento. Tenho um amigo que está a fazer intercâmbio aí em Portugal. Já pedi a ele que me trouxesse todos os seus livros para que eu pudesse lê-los quando ele voltasse. Quando vier ao Brasil da próxima vez, sugiro que vá até à Casa Poema. Você irá adorar. Deixo isso aqui registrado para que você possa saber até onde sua poesia alcança, visto que ela está nesse mundo virtual para todos lerem.
Saudações,
Raphael