quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Quando chegar o fim do mundo


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Quando chegar o fim do mundo vamos ter tempo para tudo: para beijar a mãe na cara, o filho nas mãos, a mulher nos lábios e a amante na boca.
Quando chegar o fim do mundo vamos fazer libações e buscar no fundo das nossas casas as garrafas mais antigas para a bebedeira mais recente. E vamos festejar… e dizer tudo o que queremos às pessoas que não gostamos, mas quando estivermos perto delas a dizer-lhes o que não querem ouvir até vamos mudar de opinião porque, à luz da morte antecipada, os inimigos vão-nos parecer a bondade em pessoa… que está quase no fim.
E o dinheiro vai ter prazo de validade, e o poder também, e o amor será eterno até determinada hora, e ninguém vai querer dormir… nem as mães que adormecem a contar a história do mundo às crianças que nasceram agora.
Quando chegar o fim do mundo iremos pela última vez ao jardim zoológico para libertar os animais… e depois olhar para as jaulas vazias e pensar que a jaula maior vai deixar de existir porque vai implodir como uma melancia que se recusou a apodrecer e quis sair em beleza, vertendo-se pela cara dos que a queriam comer.
E quando os céus ficarem vermelhos como as mãos que apertamos, quando os céus ficarem tintos como o vinho que bebemos… vamos erguer as taças e gritar tudo o que ficou por fazer. E, no meio da explosão que nos dizima o corpo, tudo é finalmente verdadeiro e estamos realmente unidos, ainda que uns tenham preferido o pico de uma montanha ou o canto de um bunker. Todos temos os punhos cerrados, os braços a tapar a cara, o corpo encolhido, o olhar do pânico, a boca seca, a vida por um fio, as mãos suadas, um grito anunciado e uma eterna vontade de suicídio por não termos escolhido o fim… mas por alguém o ter escolhido por nós.
E agora que não estamos cá para destruir tudo o que nos rodeia… tudo o que existia só para estar à nossa volta desapareceu também. E como derradeiro lamento deixamos para trás a esperança de termos morrido apenas nós… e não todos. E queremos que os que ficaram sejam felizes… e esqueçam o nosso rosto e a nossa maldade para que vivam todos os dias celebrando o primeiro que vai ser amanhã… porque o hoje já se foi e esta data no calendário será para sempre lembrada como o dia em que me mataram, a mim, que estava a mais e a impedir o mundo de ser perfeito.

in "luto lento", de João Negreiros

8 comentários:

  1. [hesito na importância das ruínas, até porque até da matéria orgânica da palavra pode renascer outra parte solar, o outro lado avesso da expressão temporal]

    um imenso abraço deste lado do quintal

    Leonardo B.

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  2. Belíssimo e extremamente verdadeiro.
    Estou feliz por ter descoberto seu blog e por conhecer pessoa com essa visão.
    Novamente me inspiraste a escrever...


    Covarde Opção

    Um tapa na cara
    quiseram me dar
    Um tiro no escuro
    e eu morta de medo
    Em cima do muro
    sem saber de que lado ficar
    A visão daqui é perfeita e cômoda
    Posso os dois lados vislumbrar
    Mas qual escolher?
    E pra que a escolha?
    Se posso apenas aqui ficar
    e me omitir e me negar
    a uma postura assumir
    Talvez melhor seja fugir
    pra bem longe dessa loucura
    ao invés de ficar e procurar a cura
    pra todo esse mal que assola
    Mas "uma andorinha só não faz verão"
    e eu não quero apodrecer na prisão
    engaiolada por tentar ser livre
    Fico aqui então, por opção
    Por falta de coragem, por medo
    Por temer descobrir o segredo
    que posso ver revelado,
    deste ou daquele lado.


    Postarei no meu blog, com as devidas homenagens.

    Obrigada.

    Beijos.

    Ianê Mello

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  3. Oi, não vou poder postar enquanto voêe não aceitar, pois esqueci de salvá-lo.
    Aguardo, então.

    Bjs.

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  4. Há momentos,em que enquanto ouço uma musica,uma voz,ou vejo uma paigagem bela, todos os meus sentidos reagem, todo o meu corpo se entrega. E sinto algo que é físico, quando os pêlos dos braços se levantam e um arrepio marca aquele momento na minha memória.Acabei de sentir estas mesmas sensações.Mais uma vez estou grata por a Beleza vir sempre ter comigo de alguma forma.

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  5. quando chegar o fim do mundo, cai o véu da humanidade.

    muito bonito, joão.

    helena isabel

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  6. k cena... Deve ser mt complicado estas coisas.
    A gente perde tempo com desculpas para não viver a sério...k cena, olha gostei mas é bué triste para mim. Não desistas nunca.
    Gil Gomes

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