A cerimónia de entrega e anúncio do vencedor do prémio aconteceu no passado sábado, pelas 15 horas no Auditório da Assembleia Municipal. O evento contou com a presença do Dr. Miguel Capão Filipe (Vereador do Pelouro dos Assuntos Culturais do Município de Aveiro), da Mestre Rosa Maria Oliveira, do Prof. Luís Serrano e do Prof. Doutor António Manuel Ferreira (Universidade de Aveiro), que fez a apresentação da obra vencedora.
O Prof. Doutor António Manuel Ferreira considerou que “para situarmos estes textos na sua genealogia ético-estética temos de recuar no séc. XX e de revisitar alguns textos essenciais de Fernando Pessoa, nomeadamente, as desalentadas confissões de Álvaro de Campos” e continuou dizendo que os poemas de João Negreiros “integram-se em pleno direito num dos trilhos mais vitais da Poesia Portuguesa.” O Professor da Universidade de Aveiro chegou mesmo a ler alguns excertos da obra vencedora, que adjectivou como magníficos.
“Parece tudo muito simples, sem qualidades, digamos assim, para usarmos uma expressão que já faz parte do nosso aparato crítico contemporâneo, mas não é.” O Professor finalizou afirmando que “um homem que manifesta uma relação tão sincera com a Língua Portuguesa só pode ser um verdadeiro poeta. E dizer isto é, para mim, dizer tudo”.
o Outono visto pela janela
na casa onde nasci havia sons e cheiros meus
as pessoas que os tinham emprestavam-mos à memória
e eu incluía-os como amigos íntimos
nesta não tem gente
ou se tem não têm cheiro
nem som porque eu não me lembro
gastei toda a memória nas pessoas antigas
e o espaço para as novas é um t1 que fica muito para além do t
onde eu estou sem visitas
fechado à medida de não deixar entrar
preciso do que já foi como do próximo ar para me lembrar que foi bom
eu já fui bom
agora não sei
mas já fui
juro que fui
e quero gastar as únicas energias a fazer manutenção às memórias
p’ra que nenhuma se perca
era pena
é que até a gente que me fez por dentro como a um cofre já não existe
e quero mantê-los ligados à máquina para sempre
e a máquina sou eu
e para sempre sou eu
anda
aconchega-te no mofo do t1
finge que és de antigamente para te dar os beijinhos de quando era pequenino
cheiras à minha avó
à roupa no estendal
à canção do fim dos bonecos
ao banho que está a ficar frio
ao grito do granizo do dia mais longo em que a casa esteve para cair
tu cheiras e sabes ao dia em que a casa esteve para cair
que foi no mesmo dia em que resistiu
como se estivesse ali desde o início dos tempos
e os tivesse começado para eu os acabar
acabar
acabar
acaba comigo que me falha a lembrança
e restas-me como a folha que esteve para cair
e que só não caiu porque o mundo acabou antes do Outono
Amigo (permite-me esta coloquial familiaridade lol) tu no youtube pareces um alucinado sob o efeito de psicótrópicos mas; a tua poesia é de uma intensa sensibilidade que está muito a montante desse teu aparente ar "esgazeado"...
ResponderEliminarSem duvida uma poesia desconcertante e linear se não a escutarmos com todos os sentidos. Mereceste esses prémios que recebeste e perspectivo muitos mais, mungidos nessa tua "teta" de inovação.
Permite-me só uma sugestão: arranja maneira de as tuas declamações poéticas no youtube serem complementadas com os textos (poemas) em grafia (escrita).
Amiga, muito obrigado pelas calavras carinhosas. Quanto ao ar alucinado... aquilo não é nada... havias de me ver a jogar consola.
ResponderEliminarAdoro este poema, permite que o publique com os devidos créditos? Parabéns
ResponderEliminarSeria um prazer, publique-o.
ResponderEliminarTristes são as multidões de versos que tenho nas gavetas, os que saem devem passear por toda a gente. Grande abraço e obrigado pela gentileza.