quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Há espaço para mim no cume



Há espaço para mim no cume

Se escalasses o maior pico da maior montanha serias capaz de parar três metros antes e voltar para o quentinho?
Se fosses à Lua preferias ficar dentro da cápsula espacial a ver desenhos animados ou a jogar paciências sem gravidade?
Se fosses campeão do Mundo preferias ser do Mundo todo ou abdicavas de parte dele só para deixar países de fora da tua excelência?
Se estivesses quase quase, eras capaz de dizer “pronto, pronto”?
Se estivesses quase a chegar eras capaz de dizer “pronto, já chega”?
Se fosses mesmo crente numa coisa serias só crente na intempérie, na borrasca, na adversidade, na procela, no desespero?
Não eras capaz de crer também no céu mais claro a cheirar a terra molhada, no chá para a garganta roufenha, no sorriso e na vitória?
Ganhar é desconfortável? Faz-te comichão? Dá-te vontade de voltar para o quentinho e de não espetar a bandeira no cume mais improvável?
Ganhar abre o problema da habituação. Se começas a ganhar e a vencer, que é a mesma coisa, tornas-te repetitivo e depois não sabes fazer outra coisa. E vais ter menos coisas em comum com quem perde.
Queres um comprimido? Queres um xanax para te acalmar esse punho no ar a brandir vitórias? Queres um cobertor? Um programa de sábado à noite gravado para não pensares mais nisso? Queres um cérebro de um babuíno para não veres mais do que um banana?
Ó pá! Deixa-te de merdas e ganha! Ganha agora, ganha depois, ganha ontem, ganha sempre.
E se perderes… ganha. E se te custar ganha. E se não gostarem de ti ganha. E se gostarem ganha. E se continuarem a gostar ganha. E se te admirarem ganha. E se te desprezarem ganha. E se fores feio ganha pela beleza. E se fores bonito ganha para ficares feio, e a cheirar mal e cheio de inimigos, mas vencedor como aquele que faz o seu destino ao mesmo tempo que faz o resto.
Ganha até que não saibas nada para além disso. Ganha até que não seja ganhar. Ganha até que seja andar, respirar ou outra coisa tão real como estar.
E quando te disserem o que quer que seja tu responderás o que for porque a vitória não tem significado, é apenas aquilo para que te levantas todos os dias.
E se o sucesso for menos interessante e enigmático que o falhanço e a tristeza, tens razão. O sucesso é um sítio simples como tudo o que se percebe… e tu só percebes isto: ganha sempre até que a vitória seja o início.

Texto do livro "O Manual da Felicidade" de João Negreiros

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