sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Texto de "O Manual da Felicidade"

Se eu te deixar falar vais dizer o que quero ouvir?
Se eu te der um sítio vais sossegar?
Se eu te der um livro vais fazer-lhe orelhas nas pontas?
Se eu gostar de ti vais gostar de mim?
Respeitar-me?
Aceitar-me?
Perceber-me?

Eu sou especialista em deixar falar, especialista em deixá-los dizer ao que vêm, o que são, o que querem.
Gostava tanto que me levasses a sério.
Porque é que as pessoas não me levam a sério?
Eu gostava de ser séria.
Quando falo brincam comigo e eu não gosto.
Não gosto.
Quero respeitinho.
Silêncio!
Ouviram? Silêncio que estou a falar!!!

Porra… isto agora não correu bem.
Isto do respeitinho não é nada respeitoso.
Ficou o sítio que fiz limpo como o detergente.
Neste silêncio quando falam dizem o que achava que queria ouvir mas… afinal não quero… antes queria outra coisa.
O livro está intacto como a ignorância que nunca mexe no que está quieto.
Respeitas-me?
Aceitas-me?
Percebes-me?
Não sei. Estás assustado.
Tenho saudades tuas a gozar da minha cara e do resto do meu corpo.
Sinto a falta do barulho de quem anda à deriva nos intervalos da procura.
Às vezes o amor disfarça-se de confusão e parece que não funciona mas… funcionava.
Porra! Funcionava! Funcionava tão bem!
Todos se riam de mim… mas riam-se.
Todos gozavam comigo… mas gozavam.
Todos discutiam comigo… mas tinham coragem.
Agora sérios, agora sem prazer, agora bem comportados nem os sei.
Onde estão?
Estou sozinha como os ditadores e não gosto de ser ditador é muito solitário por isso…
Por isso…
Volto agora a ser o louco da aldeia, a senhora que leva revistas para o farrapeiro, o bombo da festa e os confetes pelo ar das bolinhas de cuspe festejam o meu regresso como quem viajou pelo Mundo em busca de aventuras para perceber que estava muito bem no seu reino.
É este o meu reino. O povo é rebelde, a plebe só faz asneiras e os aldeões invadem-me o palácio todos os dias, mas eu… mas eu… mas eu não quero saber e abro-lhes as portas porque tenho espaço.
Há espaço para todos.

Vá lá! Façam barulho!
Vá lá! Façam barulho!
Tinha tantas saudades.

Texto de "O Manual da Felicidade" de João Negreiros

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