sábado, 20 de setembro de 2014

Direito a mãos

Comprei este mundo e o outro e percebi que não existia no outro e que neste só tinha duas mãos.
O dinheiro que perdi fazia-me falta para dormir melhor… não para fazer de penas no travesseiro mas só para dormir sem credores a tocar à campainha no badalo que leva um dos carneiros que contei.
Comprei uma coisa para ser feliz e uma coisa não me deu.
Comprei outra coisa para ser feliz e outra coisa não sou eu.
Durmo bem com pouca coisa porque com muita podia fazer montes e pilhas que cairiam em cima de mim.
Durmo tão bem com o quarto limpo.
Adormeço suave com a casa a cheirar a pouco.
Acordo cedo porque sei que nada embarrará no meu caminho.
Acordo cedo porque não estou presa em casa.
Acordo cedo porque só há coisas simples como pão e fruta para comprar lá fora e cá dentro há espaço para tudo.
Tenho espaço para tudo mas quero só o essencial porque o que é fútil tem a indelicadeza de se esticar ao comprido.
Só se pode ter na vida o que se usa muitas vezes.
O resto é para os outros: os outros também têm direito a mãos.

Poema de "O Manual da Felicidade" de João Negreiros

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