sábado, 6 de setembro de 2014

A beleza está nos pormenores

E a beleza está nos pormenores, e o Homem está nos pormenores, e a esperança está nos pormenores, e a felicidade está nos pormenores porque os pormenores são-no essencialmente… porque os pormenores são como as manchas que separam a borboleta do leopardo… porque os pormenores são o que nus distingue… porque os pormenores são a surpresa da diferença e a simplicidade da segurança e estão em todo o lado, mas não se vêem porque são camaleónicos, esbatem-se nas cores pardas dos lugares comuns e é preciso usar as mãos para os perceber, deixando que nos toquem como um amigo que se achava feio até lhe tocarmos a cara como fazem os cegos.
E agora vamos fazer um exercício: olhem para o vazio e digam o que vêem. Digam, digam tudo, principalmente o que vos parecer insignificante, estúpido, básico, facultativo, irrelevante porque aí estará a verdade, não por ser bela mas por ser… e ser é bem melhor do que… não… espera. Ser é bem melhor do que… não… vou tentar de novo… ser é bem melhor do que… ser é bem melhor do que… não… nem é preciso tanto porque ser é bem melhor.
Se olhares com muita atenção para os olhos de uma pessoa qualquer vais ver o vácuo, mas se olhares com muita atenção para os olhos da Helena, que leva os lábios a cair de rosa e os joanetes apertados, vais ver tudo porque lhe vais sentir os pés e os lábios à distância nesse amar remoto, desconhecido e telecomandado pela capacidade de beijar ao longe com as lentes de contacto de quem toca só para confirmar se aquela pessoa é tão linda como parece. E, neste caso, o que parece é porque o vemos com a determinação da mãe que avalia o recém-nascido em todas as suas reentrâncias só para ver se o menino é perfeitinho.

Poema do livro "luto lento" de João Negreiros

 

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