Não posso pensar no que os outros
pensam.
Posso então não pensar no que os
outros pensam?
Não, porque quando penso em não
pensar no que os outros pensam acabo por pensar no que os outros pensam ou no
que eu penso que os outros pensam de mim.
Pensar no que os outros pensam de
mim sem ouvir os outros deve ser o que acho de mim ou então o que acho que ouvi
de mim quando os outros estavam calados.
Os outros são muita gente porque
os outros são todos os outros e deve haver outros para todos os gostos. E os
gostos deles devem gostar e não gostar de mim, perceber e não me perceber,
conhecer-me e não me conhecer.
Os outros que não me conhecem não
sabem quem sou mas penso neles como se os conhecesse.
Pensar numa coisa faz a coisa
existir e não pensar faz não existir. Se uma coisa não existe passa a existir
no passado ou na imaginação e isso dá no mesmo, o mesmo sou, sou sempre eu
porque sou muito parecido como quase tudo o que sei.
Sair à rua é um processo passível
de apresentar inúmeras conjecturas e dissertações e isso é profundamente… isso
é profundamente… isso é profundamente… isso é profundamente uma merda.
A profundidade do que não sei é a
mais fútil verdade, a profunda mentira.
A sabedoria de quem não sabe do
que fala é a estupidez traduzida para gambuzinos.
Quem não me conhece pode pensar
no que sou mas não tem acesso à informação porque o único detentor da
informação sobre a minha pessoa sou eu, que sou a única pessoa que pode ser
minha.
Pensa de mim o que quiseres, não
existe.
Faz de mim o que for, não serei.
Diz de mim o que achares, não me
conheces.
Olha para mim como se soubesses,
não me vês.
Define-me… não há palavras.
Ilustra-me… sou um livro sem
bonecos.
Pinta-me… sou um livro de colorir
que passou por todas as mãos do jardim de infância.
Apresenta-me… só eu sei o meu
verdadeiro nome.
Marca-me… só eu tenho acesso à
minha pele.
Explora-me… sou deserto.
Penso de mim o que quero e sou
isso mesmo.
Penso de mim o que quero e sou
isso mesmo.
Penso de mim o que quero e sou
isso mesmo
isso
mesmo
isso
mesmo
isso
mesmo
Texto de "O Manual da Felicidade" de João Negreiros
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