toma o beijo da despedida como vinho do Porto
deixa-me correr ao lado da tua janela pelas águas e pelo ar como se fosses de comboio
e lanço-te os mais ardentes contra o vidro do avião
e o juntar dos lábios só perde pressão e querer com o fim do oxigénio
encosta-te ao vidro
ouve-os como o salmão a quem roubaram a nascente
e dedica-lhes o olhar da angústia
respeita os meus beijos que descolam
e faz um quase choro ciciante e fungado de quem era suposto ficar mais três meses
não te voltes logo para a voz do capitão
deixa o carrinho das sandes bolorentas
não ouças as instruções porque a emergência é agora
mais tarde vais ter memórias e vais querer mais esta para juntar
chora pelos meus beijos pára-quedistas kamikazes que soletram o teu nome à falta de ar
e pede à senhora do lado que faça um minuto de silêncio a cada intervalo do pânico
é que não sei se sabes mas os beijos que deram tanto e que se esforçaram tanto não são reutilizáveis
mesmo que os resgate cá em baixo das mãos dos telhados à volta dos aviões não posso fazer nada com eles
os beijos são inúteis como eu
os meus lábios desperdiçam-se por ti
o meu resto já o havia feito
boa viagem
espero que tenhas ficado do lado da janela
do livro "o acaso é um milagre" de João Negreiros
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