a
senhora que mora na casa em frente nem sempre está à janela
às
vezes está à porta e outras está dentro dela
a
velhota que vive junto a minha casa
tem
um cão chamado Teobaldo
que
com latidos me arrasa
enquanto
a velha faz o caldo
e
ouço-lhe a máquina de costura
sinto-lhe
o ponto de caramelo
quando
lhe dá para a doçura
leva
à rua o xaile mais belo
e
mora sempre sozinha
a
única visita sou eu
que
a espreito como se fosse minha
até
que ela se derreteu
e
a casa está para alugar
porque
a cortina já não se mexe
mas
quando à janela voltar
vou-lhe
dizer por favor desce
indago-lhe
porque some
não
faça isso então e eu?
depois
pergunto-lhe o nome
e
ela responde que morreu
podias
ter sido minha avó
ó
minha querida avozinha
eu
moinho e tu a mó
a
que me dava a farinha
e
eu não gosto do cão
só
o tolero por ser órfão
e
a casa que fica em frente à tua
não
é uma casa e está nua
e
a família que estava comigo
nunca
chegou a aparecer
deixa-me
ser teu amigo
e
o caramelo derreter
é
que a senhora que vive ali não está sempre lá
mas
eu juro que já a vi nos dias em que não está
poema do livro "luto lento" de João Negreiros
à venda em livrarias e em https://www.buknet.pt/?op=artigo&pid=&lid=5e00e01a9eda901400af2385124a46f4
Este poema é belo João:)
ResponderEliminarBeijinho
Conheci há bem pouco este seu blog, João, e passei a segui-lo.
ResponderEliminarPretendo ler na íntegra o que de sua obra aqui se acha compartilhado.
Fico-me por ora com este "o órfão de segunda vez", de leitura degustativa.
Meus cumprimentos.
que lindo, joão. fogo.
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