terça-feira, 6 de abril de 2010

o poema não

o poema não

quero as palavras pequenas como feijões

que não me dêem problemas como os feijões

as palavras mescladas com carne que me dão a sabedoria de quem

[não está para pensar

os grandes temas fazem-me comichão e ardem-me demais

já os visitei muitas vezes

tantas que não estão em casa

o amor não está em casa

a vida não está em casa

a condição humana não está em casa

a violência

a beleza

a tristeza

as raças

as distâncias

a injustiça não estão em casa

ninguém está em casa por isso não gloso a erudição mas gozo o

[poema não

o não poema

o que não diz

o que nada

o poema nada

este é o poema nada

é o que existe na vez do branco

o que existe para matar a árvore

a literatura morta

lenta

inválida

sensaborona

flácida

talvez assim entendam

talvez assim o queiram

não perco em tentar

se serve tanta gente porque não há-de servir

vou só          antes de terminar          escrever umas palavras à sorte

[com um truquezinho estilístico

pelo sim pelo não

e fica o trabalho feito

a pata do pombo trepa o farol

é isto

que bem que corre

soa tão bem e diz tão nada

olha de novo

o lento do corvo imiscuí-se na negrura dos tempos

é soturno         bom          para quem gostar

soa bem

música de elevador

só mais uma para acabar

o tentáculo do céu acalma o horizonte

espera

não

este é bom

é melhor guardar para um poema poema

um poema mesmo

trocando por miúdos          um poema

esquece aquele

substituo por

o autocarro sozinho na penumbra

olha que bem

mesmo à medida do que não diz nada mas que ao mesmo tempo é

[tudo

muito bem

bem bonito

estou mais velho

mais feio

mais estúpido

e tu também

o Peloponeso pinta-me o pénis          Laurinda


in "a verdade dói e pode estar errada"

8 comentários:

  1. Eu sou a maluca que depois de ouvir os seus poemas, quero sempre casar consigo, depois passa-me...Mas que quero lá isso quero! Hoje apetece-me não só casar como fazer um graffit com baton nessa janela com o pedido ...

    Beijinhos :P

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  2. Quase sem fôlego...o poema que se faz,passando faz..rápido pela janela do trem.
    O convido a visitar o blog
    www.cristinasiqueira.blogspot.com

    Com carinho,

    Cris

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  3. gosto imenso da forma como dás vida cor e voz a tudo o que escreves!

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  4. Absolutamente soberbo

    (aplausossssssssssssssssssssssssssssssssssssss).

    Uma excelente declamação.

    Eu, confesso, sou um apaixonado pela declamação,
    mas a teatralizarão, a expressividade, o tom da voz,
    o trabalho que se adivinha deixou-me absolutamente rendido.

    (Sobre o trabalho que se percebe estar por detrás,
    um exemplo, o pormenor do enquadramento cénico dado pela câmara - num primeiro plano o poeta quase imóvel na janela envidraçada (onde se move apenas a cabeça - até ai magistral a declamação porque centrada quase exclusivamente na face), e num segundo plano, o mundo em movimento).

    Agradeço a partilha.

    Magnifico, Soberbo e as demais palavras que traduzem a Excelência.

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  5. Devo ter andado muito distraída para só agora o ter descoberto!...
    Ó que maravilha!!!
    Adorei a forma como ''vive'' a sua poesia!
    Um abraço.

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  6. Grande João!Sou teu fã! Hilariante, este poema!

    Esses parolos que brincam aos poetas e ao efeito "borbolético" da poesia e da inspiração, e a tentar parecer inteligentes, a a escrever poemas que não dizem nada, nem fazem sentido deviam ouvir e ler este poema, e enfiar um barrete e em vez de brincar aos poetas, podiam desta vez brincar aos pintores, com "tanto" jeito para a imagem pseudo surrealista pode ser que aí tenham algum sucesso-lol- torço mesmo para que desistam de ser forinhas!

    A sério, que acho brilhante este poema, toca na ferida a esses pretensiosos, que "escrevem" sem esforço, e não entendem o verdadeiro sentido de ser poeta- como é sem esforço e não é talento, nem trabalho e génio, são uma espécie que deturpa o género poético.

    Brilhante João!Continua a fazer este trabalho excelente! E a dar a conhecer o te talento e teu génio que fazes falta para alertar consciências! E mudar isto para melhor, como tu dizes num poema!

    Estou contigo.
    És mesmo o maior poeta que li até hoje!
    "Olé"

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  7. Este poema é muito bom! A arte é vista de uma forma muito presunçosa e pretensiosa. Estou contigo!
    Acho que sim, concordo com o Joaquim Pedro, faz justiça à poesia-poesia!
    Ah João Negreiros é mesmo muito bom, é mesmo muito. Como dizes em num poema teu, mesmo TUDO!
    Amália

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  8. Belo interpretação ,bolo poema!Diz o que precisamos entender e colocar em prática.Preciso do Sr . mestre para aprender a beleza que expressa.

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