é suposto amar-se muita gente como a nós
mas se não gostarmos do que nos vai
dentro não amaremos gente por fora
porque não o distinguiremos do marulhar
das folhas no vento que sabe à maresia que esteve nos ouvidos do afogado mais
fundo
urge termos por nós a certeza do afecto
para que transborde pelos poros que a
natureza nos deu a vontade de submergir a terra de um ar novo e simples que
mostre às gentes novas cartilhas com
orelhas no canto das folhas porque foi precisa a nossa saliva para virar a
página que tinha a dor escrita numa nota de rodapé com letra pequenina
sabemos a dimensão que nos acrescenta
mas hesitamos na procura do sonho porque
achamos incoerente voar sobre as cidades de pijama
mas é a acreditar neles como reais que
os tornamos reais
é a acreditar neles como nossos que os
tornamos nossos
é a acreditar neles aqui que os temos em
nossa casa
na nossa cama
e os nossos lençóis sabem a história do
mundo desde o princípio
como se a baba do travesseiro lhes
tivesse contado os males de amor de um curandeiro do paleolítico que a História
não guardou porque não acabou bem
levemos connosco ao colo os pensamentos
que tivemos há muito em horas de aperto
vamos dar às nossas lutas interiores a
beleza dos universos pacíficos
que nos dão paisagens ao corpo e ventos
à pele que sabe as curvas da carne
por ser a amizade mais próxima que o
mundo tem o nosso corpo ama-se entre si como o irmão que temos mas que partiu
cedo demais
vamos entender o que somos como o que
somos se entende em si
a pele tapa a carne
a carne tapa o osso
o osso sustenta tudo
e os órgãos sabem as conversas que
teriam se falassem como amantes antes da cópula
larga a dor que inventaste
fica só com a que inventaram para ti
poema do livro "o acaso é um milagre" de João Negreiros
Muito muito bom! Gostei muito! Obrigada por estes textos que parecem uma lufada de ar fresco...
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