domingo, 13 de julho de 2014

Era para se chamar patinhas mas como cheirava muito a cão chamou-se Pivete - d' "O Manual da Felicidade"

Eu quero mostrar que gosto das pessoas que gosto. Eu quero mostrar que amo as pessoas que amo. Apanhei o vício desde “não me lembro” de tratar os maus com bondade e os bons com a mesma coisa, mas nunca me pareceu justo.
Houve uma altura em que não os distinguia bem, não distinguia bem os maus dos bons. Entretanto conheci uns bons que me ajudaram a perceber melhor.
Os bons… não quer dizer que sejam bons… quer dizer que são os bons para mim.
Apanhei o vício da vergonha e agora tenho dificuldade em dar beijos, tenho dificuldade em dar abraços e, pior ainda, tenho dificuldade em dar chi-corações. Gostava tanto de saber dar chi-corações. Quando der chi-corações serei um homem a sério porque nesse momento não terei medo de ser menos homem por isso. Choro muito sozinho e gostava de chorar acompanhado. No dia em que conseguir chorar acompanhado vou ficar tão feliz que, se calhar, nunca mais choro.
Estes problemas são assim porque eu confio pouco no Homem. Quando digo homem refiro-me ao Homem com H grande, apesar de sempre ter confiado mais nas mulheres por causa da minha mãe e de uma criada que eu tinha… e de um tio mau… e de um pai que nem sempre estava.
Há uns tempos comecei a confiar nas pessoas como confio nos cães. Eu confiava muito no Pivete porque era o meu cão e porque roubava uvas comigo. E se fossemos apanhados ladrava, mas não se chibava. Eu com o Pivete… eu com o Pivete… gostava de ser com as gajas como era com o Pivete. Ao Pivete dava beijos com língua sem problemas. Às gajas às vezes tinha dificuldades. Tinha que ser mesmo muito linda. Ao Pivete beijava-o mesmo que ele andasse a mexer no lixo e cheirasse aos restos do jantar de terça-feira.
Um dia vou conseguir abraçar os bons como abraçava o bom do meu cão. Esse dia até vai ser hoje só porque não tenho tempo para continuar desconfiado. Vou dar à humanidade, quando digo humanidade refiro-me às pessoas que gostam de mim, uma nova oportunidade. Vou dar à humanidade uma oportunidade… e depois darei uma segunda oportunidade… e uma terceira até ao infinito… porque agora sei que há gente boa no mundo. Sem hesitar, sem gaguejar, sem tropeçar…vou a direito espetar um beijo em quem gosto e se me derem um estalo ainda me rio por cima, como fazia com o Pivete quando ele me rosnava porque eu lhe mexia na gamela.
Vou dizer ao meu pai que o amo, mesmo que ele comece a pensar que eu sou rabeta. Vou dizer à minha mãe que a amo, mesmo que ela pense que estou maluco. Vou dizer aos meus amigos que os amo, mesmo que eles já saibam. Aos cães que for encontrando, direi o mesmo que dizia ao Pivete: “busca!”.

O meu cão ensinou-me o amor, mas como quase nunca se punha de pé, não aprendi o amor dos Homens.

Texto de "O Manual da Felicidade" de João Negreiros

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