sabedoria para pular
diz-se que a Oriente se come arroz
e que os pretos têm ritmo
e que os pretos têm ritmo
e os judeus são bons com dinheiro
e as mulheres é na cozinha
e os homens de pantufas
às crianças torce-se-lhes o pepino para comerem os legumes todos
e o cão é o melhor amigo menos do gato que é um interesseiro que vê bem de noite
e os homossexuais usam cabedal e vão ao ginásio
e os motoqueiros também mas não vão ao ginásio fazem pesos em casa
e os novos ricos são iguais aos ricos tirando o sotaque e as roupas coloridas
e os brasileiros vestem de branco e usam chapéu menos os brasileiros que são pretos e cheiram cola nas esquinas
e temos que ser uns para os outros mas primeiro para nós e para os nossos
e os nossos são aqueles que escolhermos ou aqueles que escolheram por nossos
e os carros japoneses são muito bons porque os japoneses sabem artes marciais
e se o carro não fica bom eles desatam ao pontapé e o carro tem tanto medo que fica bom
e tem tanto medo que até ganha as corridas que passam na TV que também é feita pelos japoneses ao pontapé para depois levar uns biqueiros de um europeu que não sabe artes marciais e por isso destrói a TV
e os chineses são diferentes são iguais aos japoneses mas diferentes mais tristes por não terem máquinas fotográficas
e os turistas nunca sabem o caminho
e os da terra sabem sempre para onde vão
e os cavalos são elegantes menos quando cagam
e as pulgas são irritantes mesmo quando são na areia
e assim é bem mais fácil porque a verdade está na voz das crianças e por isso as crianças bem comportadas calam-se
e os ratos trazem as doenças mesmo os que não trazem
e Deus é igual a um homem tirando o carácter divino ou a falta de carácter divino
e os tímidos são dóceis
e os nobres têm sangue azul sempre que não sangram
e as mulheres demoram muito tempo a arranjar-se mesmo quando não se arranjam porque as que há são feias e as bonitas são más só porque podem
e a nossa cabeça funciona assim como as casas do jogo da glória que diz para avançarmos cinco casas sem ter que lançar os dados porque os dados estão sempre errados
e temos que ouvir os mais velhos mesmo que sejam mudos
e a experiência de vida define-se pelo número de imbecilidades que dizemos e do ar caquéctico que apresentamos
e os bebés querem-se gordos
e as mulheres querem-se magras por isso as mulheres para fazerem um verdadeiro e extraordinário percurso devem passar os anos de formação a fazer dieta para passar com graciosidade do recém-nascido com obesidade mórbida até à adolescente anoréctica
e os homens querem-se com cara de homem e a cheirar a cavalo mas como os cavalos são elegantes melhor não é melhor que o homem cheire a cavalo só quando o cavalo está a cagar
e os artistas são loucos
e os loucos são artistas mas às vezes trocam
e quem faz colecção de selos usa óculos e tem mais de sessenta anos se tiver menos e vir muito bem põe farinha na cabeça e usa armações sem lentes
e os veteranos de guerra têm cicatrizes que fizeram com o canivete do pai só para dizer que estiveram na guerra
e os amigos são para as ocasiões porque é nas ocasiões que vemos os amigos
e é nos maus momentos que sabemos dar o valor e por isso partilhamos os bons momentos com a escumalha
e é isto
a pêra é fina
o bigode é parolo
a barba é revolucionária
e o bigode grande e muito bem tratado é monárquico
e a caneta de tinta permanente permanece no escritório e nunca vai para a cozinha apontar as receitas
e a cozinheira é gorda e está sempre a prová-lo
os costureiros são gays mesmo os que não são
e os cães pequenos ladram muito e os grandes mordem
e cão que ladra não morde ou seja o cão do ditado era pequeno
e é assim
ninguém tem mesmo que pensar é só teleportar o pensamento para um atalho que nos leva a outro atalho que se esbate no primeiro e derrapa no terceiro e no fim resta-nos a interpretação pessoal da ignorância da mediocridade do preconceito da ausência de sentido crítico dos buracos negros do carácter
e todos somos imbecis porque a sabedoria popular o diz
e passa-se de gerações para gerações
e quando damos fé a nossa já passou
e a deles também e a dos outros está quase
e a vida são dois dias
e temos que ser uns para os outros
e cada um é como cada qual
e somos todos diferentes mas não parece
Poema do livro "luto lento", de João Negreiros, à venda em livrarias e em https://www.buknet.pt/?op=pesquisa&pesquisa=jo%E3o+negreiros&t=2
Soberbo*
ResponderEliminarEra bom que toda a gente percebesse isto, que somos todos iguais embora todos diferentes.
É fantástica a visão do mundo e da sociedade expressa neste poema! Muitos parabéns!
ResponderEliminarSoberbo!
ResponderEliminaradorei, está muito bom!
ResponderEliminareu gostava de apresentar este poema na escola, mas tenho algumas dúvidas quanto à estrutura externa, pois não consigo perceber a pontuação, não conseguindo distinguir tercetos, quadras, quintilhas e etc... será que me pode ajudar? (:
Mariana, fico muito contente que queiras apresentar este poema na escola. É uma honra.
ResponderEliminarRelativamente à estrutura externa do poema, este poema é de verso livre. A pontuação é feita através dos espaçamentos e das mudanças de parágrafo.
Obrigado pelo comentário.
Abraço,
João Negreiros