Gostava que o meu trabalho fosse estar com as
pessoas que mais gosto, que são as pessoas que me fazem bem. Gostava de
trabalhar num escritório e que o meu trabalho fosse fazer nenhum. Era só ficar
lá a ser amada. Muito amada. Chegava um e amava-me muito. Chegava outro e
amava-me muito. No escritório que tenho houve um corte no pessoal
administrativo e estou lá sozinha. Vou ter com o meu chefe e vou dizer-lhe
duas. Vou dizer-lhe:
- Vou-me embora, ó boi. Despediste toda a gente,
grande boi. Já não tenho amigos à beira da fotocopiadora, nem irmãos junto à
máquina de café.
O meu chefe despediu as pessoas que trabalhavam
comigo e nem as deixa visitar o emprego antigo. Eu estava tão bem rodeada.
Sabia exatamente quem queria a meu lado. Às vezes até passava com eles o fim de
semana e as horas extraordinárias e não é que o cabrão os despediu a todos. Vou
dizer-lhe mais duas:
- Quero a
demissão, ouviste estúpido? Vou-me embora. Trabalha tu sozinho ou com quem não
gostas. Para mim não serve. Para mim tem que ser melhor. Para mim vai ser
melhor.
Estou no escritório dele. Vê-se o mar da vista dele
e então percebo. Está vazio. O escritório dele está vazio.
Saio de lá e
corro pela empresa. Vou à sala de convívio e ninguém, na arrecadação as
esfregonas secaram e as almofadas dos carimbos adormeceram para sempre.
O sítio onde
trabalho não tem chefe nem empregados, nem senhora da limpeza, nem assistentes,
nem telefonistas, nem colaboradores, nem menina na receção.
O sítio onde
trabalho está vazio e fui eu que os despedi a todos com a preguiça de lhes
pagar o salário que era só dar-lhes os bons dias e sorrir.
Vou
dizer-lhes que voltem já… e como o edifício sou eu, os escritórios sou eu e a
menina da recepção sou eu entram agora amigos pelas portas de vidro com a maior
das transparências.
E o meu
trabalho é este: viver ao lado de quem escolho.
Eu escolho
quem me faz bem e faz-me bem quem eu escolho porque quem eu escolho tem bom
gosto.
Não vou ter
que mandar pintar, nem que mandar limpar, nem que reorganizar a estrutura da
empresa.
É uma empresa
familiar porque o meu pai trabalha comigo, é uma empresa familiar porque a
minha mãe trabalha comigo… porque os meus primos, os irmãos que quase tive, os
amigos que quase foram e as pessoas que me deram os bons dias com esperança
trabalham comigo. Trabalham comigo os que quiseram as mesmas paredes, a mesma
mobília, as mesmas flores de plástico, os mesmos quadros na parede e a mesma
vista. Estão comigo os que me querem e os que queriam algo melhor têm mau
gosto.
É uma empresa
familiar. Trabalham comigo o meu pai, a minha mãe, o meu marido e os meus
amigos. Os outros trabalham noutras empresas. É um negócio pequenino como uma
enorme multinacional e grande como um elefante de plasticina. É uma empresa
familiar. Trabalho com o meu pai, a minha mãe, o meu marido e os meus amigos e
vai fechar quando eu quiser, quando eu quiser… e eu quero que exista para
sempre.
É uma empresa familiar. Sou eu o chefe e tudo o
resto. Sou eu o chefe e tudo o resto.
Texto de "O Manual da Felicidade" de João Negreiros