Ontem abracei a minha mãe enquanto ela remexia o estrugido para
não queimar a cebola e ela disse:
- Deixa-me, filha que agora estou a fazer o jantar.
E eu disse:
- Não tenho fome.
E ela disse:
- Olha que queima.
E eu disse:
- Gosto do cheiro a cebola queimada nos teus braços. Amo-te
de cebolada, mãe.
Ontem abracei a minha filha e ela disse que a deixasse em
paz.
Deixei-a em paz e esperei em paz por um segundo melhor em
que ela quisesse mais e precisasse mais de outro abraço.
Olhei com atenção e o segundo chegou rápido. Abracei-a então
com mais carinho ainda e com um abraço que escolhi à medida do corpo que ela
trazia na altura.
Eu gosto de dar o que os outros pedem, e querem, e precisam,
e sentem, e merecem.
Para a minha filha, para a minha mãe dou o que sinto como
sentiria se fosse este o último segundo de a ver.
Se estivesse a ver a minha pela última vez, se estivesse a
ver a minha pela última vez dizia:
Gosto de ti para sempre porque um segundo é coisa pouca.
Mas sei que esta não é a última e isso é bom.
Esta vez não é a última mas é como se fosse porque na última
posso não ter oportunidade.
Vou amar-te quando não estiveres mas amar-te-ei mais quando
estiveres comigo.
Porque não sei como será o fim e porque não quero saber, a
partir deste dia, direi o amor a quem amo como faço a mim própria quando gosto
muito de mim.
Gostar de quem está perto e é bom para mim é a segunda
melhor maneira de ser bom para mim.
A primeira é gostar de mim como um beijo no espelho.
Nunca digo à minha mãe que a amo porque sei que ela sabe,
mas como sei que ela gosta de ouvir digo à mesma como se não soubesse.
Nunca digo à minha filha que a amo porque sei que ela sabe,
mas como sei que ela gosta de ouvir digo à mesma como se não soubesse.
O amor só se sabe quando se tem a certeza e para se ter a
certeza é preciso dizê-lo e repeti-lo muitas vezes até se saber de cor.
O amor só sabe bem quando se sabe de cor.
Decorei isto para ti, mãe… espero que gostes.
Decorei isto para ti, filha… espero que gostes.
Texto do livro "O Manual da Felicidade" de João Negreiros
Tenho vontade de dizer isto mesmo aos meus pais. Obrigada por dizeres tão bem o que os outros vão sentindo... ou melhor, o que pelo menos eu vou sentindo :-)
ResponderEliminarMuito bom. Parabéns.
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